Olá, amigos! Hoje, apresentarei o trecho completo do livro A Família Colling no Brasil, de autoria do Pe. Oscar Colling, referente ao ramo 8, que corresponde aos descendentes de João Colling. Trata-se do maior e mais detalhado relato dentre todos os filhos de Gregório e Christina, provavelmente pelo fato de que o autor do livro é descedente deste ramo, o que pode ter facilitado o acesso às informações. Boa leitura a todos!
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-JOÃO COLLING E MARIA HARTMANN-
João é o oitavo filho, nascido em 1873. Bem cedo aprendeu o ofício de ferreiro, na ferraria do sr. Felippe Leoff, na localidade de São Benedito, não muito longe da casa paterna. Casou aos 8 de outubro, na igreja matriz de Harmonia, com Maria Hartmann, vindo a estabelecer-se com ferraria na vila de Harmonia, praticamente à sombra da igreja.
Foto da família de João Colling, oitavo filho de Gregório, com sua esposa Maria Hartmann e os primeiros filhos: Júlio José, Lidvina e Miguel. |
Era um homem muito bondoso, de estatura alta, era apelidado 'Der Grosse' (o alto), corpulento, gostava de um bom bigode, era músico, tocava instrumento de sopro, o 'baixo', fazendo parte de um conjunto musical, uma banda. Os ensaios da banda realizavam-se em sua casa. Era homem muito alegre, comunicativo, extrovertido, gostava de brincar com as crianças que se dirigiam à escola, e tinham que passar necessariamente pela frente de sua ferraria, por ser o caminho da escola. Ele corria atrás delas, agarrando-as, jogando-as para cima; às vezes colocava-as em cima da roda-tampa da furadeira, acionada manualmente. Algumas ficavam com medo e se defendiam puxando-lhe o longo bigode.
Sabia dosar sua severidade com bondade e a alegria que irradiavam de todo o seu ser. Excelente cantor, convidou o coral a fazer os ensaios de canto em sua casa.
A vovó Maria, natural do 'Steinbach' (Arroio das Pedras), era filha de João Hartmann e Bárbara Junges. Pessoa de estatura média normal, bondosa, excelente mãe de família. Temperamento calmo, pessoa de profunda fé. Muito cedo começou a sofrer de varizes, degenerando para ferida aberta na altura do tornozelo, mal que suportou por décadas, até sua morte, necessitando de curativos diários.
Na casa do vovô sempre se rezava à mesa, o que aliás era costume geral das famílias. Quem chegasse atrasado, era obrigado a rezar sozinho, às vezes até de joelhos.
Como foi dito acima, sua propriedade ficava pegada à da igreja. Assim, o pátio da família estava sempre à disposição do povo da localidade, especialmente os de longe, para deixarem alí suas montarias, ao virem para a missa e também para os bailes, já que os salões ficavam perto. Em dias de chuva e barro, os que vinham a pé do interior para a igreja, costumavam vir descalços, trazendo na sacola os chinelos ou sapatos. Então, era na casa dos Colling que lavavam os pés, para depois colocar o calçado. Ali também trocavam de roupa e se aprumavam para ir aos bailes. O vovô havia instalado água corrente que vinha de uma fonte, e passava por três a quatro tanques. O primeiro era o reservatório de água potável e de consumo da cozinha; o segundo, para se lavar, e também lavar roupa; um terceiro servia para lavar os pés, era um pouco menor e mais baixo. Havia também um quartinho com um tanque maior para se tomar banho.
Na época em que o vovô João casou, havia uma igreja antiga, pequena, destruída por um incêndio no início do século, o que motivou a comunidade a construir outra maior, de alvenaria, e que serviu até a década de 1950. Em 1954 foi inaugurada a atual igreja matriz, construída justamente sobre a propriedade do vovô, que foi vendida pela viúva e filhos à comunidade. A paróquia havia sido criada em 1887, entretando o primeiro pároco veio a tomar posse apenas na virada do século, e foi o Pe. José Langen, que ao sair de Harmonia abandonou o ministério sacerdotal. O seguinte pároco, Pe. Pedro Bremm (não se sabe se era parente da vovó Christina Bremm), hospedou-se na casa do sr. João até ajeitar a casa paroquial. Outros padres também fizeram regularmente suas refeições na casa do sr. João, quando por razões diversas não havia condições na casa paroquial.
Ramo 8: descendentes de João Colling e Maria Hartmann |
Uma qualidade que vovô herdou de sua mãe foi o gosto por viagens; assim, ele participou de diversos congressos católicos, os chamados 'Katholikentag'. A ferraria era somente dele, não tinha sócio, mas sempre havia mais auxiliares trabalhando com ele. A princípio, quando os filhos eram pequenos, contratou parentes e outras pessoas. No final do século, lá estavam com ele: Jacob Theobald, seus sobrinho, e Domingos Lauermann. Certo dia, foram surpreendidos por um violento temporal. que chegou a destelhar a igreja que ainda estava em construção. As folhas de zinco, soltas pelo ar, levadas pelo vento, chegaram a decepar um coqueiro, e algumas foram encontradas no morro, perto do 'Beco dos Kunrath', a uma distância de mais de km. João tinha naquela ocasião apenas dois filhos pequenos, Julio e Lidvina, e não se achava na ferraria à hora do temporal; mas os dois, para se abrigarem, foram refugiar-se assustados debaixo da mesa de ferramentas da ferraria, tal foi a fúria do furacão. À medida que os filhos iam crescendo, começaram a participar dos trabalhos da família; em primeiro lugar, dos trabalhos da roça, pois o vovô possuía uma boa área de lavoura. Lá pelos 17 a 18 anos, os filhos homens iniciavam seu trabalho na ferraria, ao lado do pai. Dos 6 filhos homens, um entrou no seminário e se tornou sacerdote, depois bispo, e os demais seguiram o pai na profissão. As moças ajudavam na lida da casa e na lavoura. A educação era bastante rígida: as meninas não podiam sair muito cedo de casa. Conta uma neta da vovó Christina que apenas de já ter 11 anos, ainda não lhe foi permitido visitar a vovó, a não ser acompanhada dos pais.
Assim como o vovô gostava de viajar, e visitar os parentes, assim também gostava de receber visitas. Os domingos de tarde eram dedicados ao lazer, o jogo de carta (o citado 'Schafkopf'), entretendo-se com os filhos e visitantes. Um sobrinho relata que "certo dia fui de Pareci a Harmonia, a pé, aos Kerbs, na casa do tio João. Eu gostava de ir lá, porque recebiam bem, mas nos Kerb havia tanta gente que não dava para conversar com todos. A gente voltava faceiro para casa, porque tinha sido bem acolhido!".
Certo dia, João resolveu construir uma cisterna; era tempo de inverno, frio. Começou a cavocar, quando o chamaram à ferraria, para ajudar a apertar aros de rodas de carreta. Sua filha Maria, que havia extraído um dente, ofereceu-se para ir no lugar do pai, na ferraria, pensando em fazer um bem. Entretanto, mal sabia ela que complicação estava por arrumar, expondo-se ao calor do fogo. Devido à hemorragia do dente, custou a se recompor.
FATOS CURIOSOS
As beterrabas: Dos fregueses do vovô João, alguns eram convidados a almoçar à sua mesa, quando eram de longe e a encomenda não ficara pronta. Certo dia, aconteceu que D. Maria preparou um prato de beterrabas, mas ainda eram poucas, por ser o início da safra. O visitante, não conhecendo beterraba, perguntou o que era, meio desconfiado, de acordo com o princípio popular da colônia alemã: 'Was der Bauer nicht kenntdas 'frisster'er nicht!' (O quê o colono não conhece, também não come). Depois de lhe ter sido explicado, e havendo provado, tranquilamente virou todas as beterrabas para dentro de seu prato, quando nenhum dos outros comensais se havia servido! Os demais, especialmente as crianças, ficaram apenas a olhar... Semanas depois, veio o mesmo cidadão, na esperança de ser novamente convidado à mesa. Entretanto, os rapazes, filhos do sr. João, entre si combinaram revezar-se para almoçar, enquanto continuavam a trabalhar. Lá pelas duas da tarde, vendo que não era convidado, olhou para o tempo, pela janela e disse: "É, acho que está na hora de voltar para casa!"... E se foi.
Cavalos e galinhas: Já era costume do povo deixar os cavalos amarrados debaixo das laranjeiras do pátio quando vinham à missa ou aos bailes. Alguns destes senhores se mostravam corteses pedindo lixença, enquanto que outros simplesmente avançavam, fazendo-se donos, sem perguntar. Acontece que algumas laranjeiras pousavam galinhas, noutras não. Os que pediam licença, eram prevenidos do perigo de um possível bombardeio noturno. Assim, algumas árvores estavam apinhadas de montarias debaixo de suas copas, enquanto que outras, as habitadas pelos galináceos, estavam desocupadas, o que justamente agradava aos que chegavam sem pedir autorização. Não é preciso dizer o desfecho! Quanta reclamação inútil contra os projéteis lançados sobre as selas, especialmente sobre os selins de veludo fino das damas e senhoritas!
Ovos na alfafa: Um dos filhos do João, de nome Albino, era mais franzino, sempre meio adoentado. Recebia remédios, fortificantes, e certas porções melhores. Ora, isso intrigava os outros, que resolveram secretamente fazer um complô, para compensar a suposta desigualdade. E o jeito encontrado foi o seguinte: juntar ovos de galinha e escondê-los no sótão do paiol, onde havia alfafa. Depois de certos dias, tendo juntado uma regular quantidade, alguém levava os ovos num cesto pelos fundos do paiol, alcançando-os ao Aloísio que já estava a postos na estrada lateral, perto do paiol, para ir vendê-los na venda dos Friedrichs e comprar balas e outras guloseias, que então eram repartidas entre os pobres 'prejudicados'. Acontece que o Miguel não participava do complô, parece que não era da 'confiança' dos demais, que eram menores. Mas ele descobriu o ninho de ovos na alfafa e denunciou o plano às autoridades competentes, e tudo ficou frustrado.
Óculos sem lentes: O vovô já era falecido e a vovó Maria morava com seu filho padre na casa paroquial da igreja da Glória, em Porto Alegre. Certo dia, a filha Maria arranjou uma armação de óculos sem lentes, dizendo para a mãe que eram óculos muito bons. A vovó pediu para experimentá-los, e realmente 'enxergou' bem, confirmando que eram bons de verdade, não se dando conta que não havia lentes! Acontece que a partir de certa idade, lá pelos 70, a vovó não precisou mais de óculos para ler. Pode ser que já era o caso.
Vinho para a 1ª Missa: Quando em 1926, o filho Cláudio, foi para o seminário, em fins de fevereiro, a família do Sr. João estava justamente a engarrafar vinho que ele havia produzido. Maria separou 4 garrafas, dizendo ao Cláudio que iria separá-las, aguardando a sua primeira missa, para então tomar o vinho. Os anos passaram, as garrafas foram guardadas no porão da casa e esquecidas. Em vésperas da ordenação do jovem Cláudio, na reforma da casa, foi arrancado o assoalho, e... encontradas as garrafas. Os que trabalharam na reforma da casa foram: Jacob Both, Francisco Theobald e Julio Hartmann. O Jacob encontrou as garrafas, dando-as à Maria. O sr. Reinoldo Stoffel, vizinho e comerciante, provou o vinho e disse: "É um licor fino!". Realmente, quis a Providência que o vinho fosse servido na festa da Primeira Missa do Pe. Cláudio.
O estudo negado: Entre os filhos do vovô João, destacou-se a Maria por seu gosto pelo estudo, sua capacidade de ajuda aos colegas em sala de aula. O professor a convidava para ajudar aos mais fracos e menos dotados. Ela queria continuar seus estudos, sonhando em ser professora. Foi falar com seu pai, mas em vão. Seu professor intercedeu inutilmente. O pai alegou que o estudo era caro, que não podia dar estudo para os demais. Então a jovem Maria procurava alívio, escondendo-se no sótão do paiol, a chorar deitada sobre o monte de alfafa, do qual já falamos acima. Deus tinha em sua Providência reservado outra vocação para ela, a de servir seu irmão padre, depois bispo, missão em que se sentiu plenamente realizada. Em janeiro de 1991, (completou) 50 anos de serviço junto a ele!
O estudo do filho no seminário: Mal havia o filho Cláudio iniciado seus estudos no seminário em 1926, quando perde o pai, em fevereiro de 1928. Foi um abalo. A família era pobre. Um primo da viúva, de nome Albino Hartmann opinou que o jovem agora ficasse em casa, ajudando a mãe, desistindo de ser padre. Mas a viúva disse: "Não! Se ele quiser, ele vai, que eu não vou impedir!" Pôs-se então a rezar muito a S. José, para que aparecesse uma luz, uma ajuda. E o Senhor lhe mandou esta ajuda na pessoa de um benfeito de nome Dutra, quem doou o paramento para a primeira Missa foi uma benfeitora de nome Odórica.
Morte do Sr. João: Em princípios de fevereiro de 1928, João sentiu-se mal devido a uma úlcera do estômago. Decidiu ir a São Leopoldo, a procura de médico. Foi a cavalo até a cidade de São Sebastião do Caí, e de lá foi de ônibus (antigos ônibus de bancos inteiriços), hospedando-se em São Leopoldo no Hotel Schroeder. Certamente ainda não havia hospital. Ali permaneceu cerca de 14 dias em tratamento, vindo a falecer na tarde do dia 14 de fevereiro. Estiveram presentes ao desenlace: a esposa e os filhos Julio, Cecília, futura Ir. Verona, e Vendelino. Para os funerais, a Cecília já veio vestida de hábito, apesar de não ter feito ainda a profissão de religiosa. Logo após a morte do marido, Maria entregou o relógio de bolso dele, e o deu ao filho Vendelino. Este relógio fora adquirido pelo sr. João por 25 mil réis. Era prateado e dourado.
Participação do Falecimento de João Colling |
Morte de D. Maria: Ela viveu ainda muitos anos, tendo a alegria de ver seu filho ordenado bispo. Passou os últimos anos junto à filha religiosa em S. Leopoldo, e quando esta foi transferida, recebeu acolhida na casa do filho Julio, em Pareci Novo, onde veio a falecer dia 23.10.55. Os restos mortais de ambos descansam no cemitério católico de Harmonia, à espera da Parusia!
(Colling, Oscar João. A Família Colling no Brasil, Viamão, 1990, p. 39-45)
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